50 Anos Jornal de Vieira  1972 - 2022

Diversos

Viajando…

          
Viajando…

Um dia destes, acabei a viajar por dentro da minha terra natal, coisa que há muito não fazia. De mansinho, segui pela estrada da Costa, que serpenteia da Vila a Sanguinhedo. Paragem obri­gatória na capelinha de Santo António, pois a anciã do grupo nunca perde a oportunidade de ofertar a respectiva esmola, quando passa por capela ou alminhas.
Depois, pachorrentamente, desci até ao Mosteiro, seguindo a estrada para Salgueiros. Logo a seguir à Casa Pancada, virei à direita em direcção a Cortegaça. Após pas­sar sobre o ribeiro das Amareiras, a estrada contorce-se monte acima, furando por entre o verde dos carvalhos que, por esta altura primaveril, apresentam um verde viçoso e macio que, aqui e ali, é mesclado pelo branco e amarelo das maias que ornamentam as margens da estrada.


Enquanto o carro ronronava pela subida, no bem tratado piso de alcatrão, eu recuava no tempo e lembrava-me do velho carreiro de cabras que por ali havia, e que os antigos carteiros ...

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Prezado José de Castro, Encaminho a seguir poema autoral que envolve Cortegaça e minha casa, a Casa do Outeiro. Poema retirado de meu livro "Essa Constante Impermanência" (Chiado Editora, 2014). Cortegaça é um lugar no tempo, que não termina... Um abraço, Eduardo Merçon Rio de Janeiro - Outono de 2020 Reminiscências Luso-Primeiras do Meu Século XX Às Almas da Casa do Outeiro - x - “Saudades, só portugueses Conseguem senti-las bem Porque têm essa palavra Para dizer que as têm”. (Fernando Pessoa) 1. Um dia, o mesmo oceano que separava unia e trazia vidas, videiras e Pereiras - da Casa do Outeiro aos engenhos de dentro do Rio de Janeiro; oceano maculado pelo sangue da sanha de uma, duas guerras, entremeado ao sal que ainda era lágrimas de Portugal. E assim, o milenar berço de Vimaranes erigia novo berço, novo endereço, o recomeço entre os secos e molhados do armazém, cepa de onde cresço e que ainda vive entre as memórias e as veias que atiçam o meu sangue luso-brasileiro. 2. Matrizes da vida, mar e terra se interligam no ventre materno há muito já se ido; quis assim o destino transfundir meu sangue com as origens do instinto: rumo às terras do Minho, em sinuoso caminho, pedra sobre pedra - erguido pelo amor não vivido. Perda, sobreperda, doida, doída, na superfície abstraída entre os arrebóis de cada dia ligeiro que se ia. Perdida perda, palavra achada mas não dita, descortinada às janelas profundas do silêncio de frugais noites frias. 3. Em meio às pedras seculares das freguesias de Vieira, entre o Pinheiro e o Mosteiro, respira acolá sossegada Cortegaça, a aldeia. Por suas alamedas videiras como veias irrigam a vida em paz ali vivida; e a Casa do Outeiro estendia-se por seus braços semeando vinhas e abraços, do Campo Grande à Curtinha. Os miúdos ajudávamos na vindima e já na adega brincávamos coisa séria - a pisa; mosto a gosto pisado, olfativamente fermentado, estufaria as pipas e as malgas de um verde novo vinho, alma de um Minho, que em esmalte milho-rei corava minhas bochechas e as de Tio Toninho: - Carrega-lhe, carago! 4. Agricultávamos batatas e couves-nabiças, que pelas mãos de Dona Dalila, como num um ato de amor zeloso, habilidoso, postas eram à mesa já cozidas em um caldo: - O caldo verde do Minho numa malga portuguesa! E a sementeira do milho já, já se juntaria ao feno e encheria o canastro; e das pereiras e ameixeiras os frutos colher-se-iam ao rechear dos balaios. Amarela, Laranja e Cereja, frutas cores eram vacas, assim como a Galega, que a muito se prestavam da canga à mesa, esta dividida com as galinhas, porcos, anhos e ovelhas; quando assados em grelhas só as tinha o Zé Cantoneiro: - Quem não tem compra, quem não tem compra! 5. O trabalho coletivo, menos custoso e mais animado, juntava-nos novos e velhos; ao meio-dia, sachola e arado postos de lado, sentava-se ao chão, ao pé do garrafão, choriço ou broa numa e o vinho noutra mão; havia cantoria, do Vira ao Malhão e ainda Mario Gil (Pelos caminhos de Portugal, eu vi tanta coisa linda, vi um mundo sem igual). Contavam-se anedotas e histórias mil, de São Bentinho ao Rabilongo e até de um longínquo Brasil, ou o desvendar de algum segredo, por vezes inconveniente alguns ainda hoje em minha mente. 6. Poesia de ruínas, o poema as conserva, como o amor de Tia Eva, viva em cada palavra que ao coração me leva. E assim, a Casa do Outeiro, de Cortegaça, do Mosteiro, vive e revive no Minho que há em mim e sobrevive no meu Rio de Janeiro. 7. Envoy: Portuguesa saudade a minha e de Pessoa; quanto dessa verdade minha alma povoa... Mas esse verde Minho mais maduro me deixou e o sofrer, de tão sozinho, o poema apagou.
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Eduardo Merçon
2020-06-02